Já passa da uma da manhã. Cheguei do cinema, fiz todo o meu ritual de limpeza de pele (a muito custo, verdade seja dita) e enfiei-me na cama. Juro que pensei várias vezes se deveria ligar ou não o computador. Afinal a minha cabeça está de rastos já para não dizer que mal sinto o corpo. Mas depois, sinto-me culpada ou triste por ter vindo aqui tão pouco ou quase nunca esta semana. Perdoem-me, ando a mil num outro trabalho e sinto que não estou ainda a a conseguir gerir os meus dias da forma mais correcta ou mais confortável. Depois é toda esta correria louca à volta do Natal, são as compras que ainda mal foram feitas e perceber que tenho cada vez menos tempo.
Mas hoje, após ter lido uma partilha da minha querida Mãe no seu facebook, percebi que queria vir aqui dizer-vos algo. Porque nisto sinto que sou igual a ela, gosto e sinto que me faz bem exteriorizar aquilo que estou a sentir, mesmo que seja algo menos feliz. Perdi a vergonha de partilhar qualquer fraqueza que possa ter relativa ao que quer que seja e prometi-vos, após o falecimento do meu Pai, que não iria ser capaz de vos mentir relativamente ao meu estado de espírito.
Já falei aqui do Natal, já partilhei um pouco da árvore que fiz e já vos confessei o quão complicada é esta data para mim. Há uns dias atrás, mais precisamente no dia 17 de Dezembro, partilhei um story no meu Instagram onde confessava que na ultima semana tinha estado bastante sozinha, e que, em tantos momentos que tive comigo mesma, em minha casa, sentei-me a olhar a minha árvore, a ouvir uma música e simplesmente a admirar as luzes e a perder-me numa série de memórias, pensamentos, saudades e questões.
Escrevi então nesse story que, de uma forma muito crua e muito sincera, para mim, esta época resume-se a: mais um ano sem o meu Pai, mais um ano sem um bebé nos meus braços.
Esta partilha, neste dia, dia 17 de Dezembro não foi por acaso. Foi neste mesmo dia há já alguns anos atrás, e não interessa quantos, que eu soube, após ter passado por aquele que foi o meu primeiro tratamento de infertilidade, a minha primeira FIV (entre outras tantas) que afinal não estava grávida. Que o tratamento não tinha tido o resultado esperado. Nunca me vou esquecer desse dia. Acordei cedo, tomei o pequeno almoço com o meu marido e fui fazer as análises. Como só iria ter os resultados mais para o final do dia, resolvi ir ao Colombo tratar de alguns presentes de Natal. Não sei se continua a acontecer mas, nesse ano, de x em x tempo, nesse shopping além de cair uma espécie de neve por cima de toda a zona onde se encontra a árvore de Natal central, tocava aquele Avé Maria maravilhoso, que me faz sempre arrepiar e com o qual entrei de braço dado com o meu Pai, na Igreja, no dia do meu casamento. Lembro-me de me ter emocionado imenso e de não ter conseguido controlar as lágrimas. Estava muito sensível por tanta coisa que estava a acontecer, por um processo que é muito duro tanto física como psicologicamente e pelo qual ansiava tanto um final feliz. Lembro-me também de ter ido comprar uma espécie de mimo, caso o resultado fosse positivo, para surpreender o meu marido, afinal íamos ser pais (que mais tarde, passado muito tempo e várias tentativas, num momento de revolta profunda, acabei por colocar no lixo).
O telefonema chegou ao final do dia, eu estava no meu carro sozinha e quando ouvi a palavra negativo só me lembro de ter perguntado: como assim? como negativo? ... não me recordo de mais nada. Chorei muito, chorei tanto que não conseguia falar. Demorei muito tempo a conseguir ligar ao meu marido e as palavras não me saiam. Liguei depois à minha melhor amiga, que me acompanhou sempre neste processo e fiz a A8 a voar, para contar aos meus Pais, para os abraçar. Nunca, mas nunca mesmo irei esquecer o abraço do meu Pai e as lágrimas que chorámos juntos. Durante tantos anos aquilo que mais desejei poder contar aos meus Pais era que lhes iria dar um neto ou uma neta mas infelizmente tal nunca aconteceu.
Por isso perdoem-me se nesta altura, em que parece que anda tudo meio louco com os presentes, com os jantares, com os outfits, eu, que fui sempre uma miúda tão alegre com a vida, não vos consigo mentir. Nesse ano e em todos os que se seguiram, pedi sempre um único presente para o natal: um bebé.
E mais um ano vai passar e hoje, por mais que eu, com a devida ajuda, vá construindo mecanismos de defesa para me proteger e aceitar que a vida poderá nunca me vir a dar o que eu tanto desejo, preciso de encontrar uma outra forma de ser igualmente feliz na vida, nesta vida que passa a correr e que não nos permite que percamos muito tempo com a tristeza.
Após a minha entrevista à revista Caras, onde acabei por assumir publicamente esta dificuldade, recebi tantas mas tantas msg de carinho, de apoio, de pessoas que estão na mesma situação que não encontro palavras para vos agradecer. Sinto por todas vocês uma enorme e profunda gratidão!
Todos os dias me pedem para escrever sobre isto. Todos os dias penso em fazê-lo mas muitas das vezes falta-me a coragem.
E às vezes, mesmo quando estou junto dos meus, daqueles que nem sabem a sorte que têm por poder ter filhos, sinto que por um ou outro momento deveriam perceber o quanto pode custar aceitar a vida desta forma, onde há sempre uma peça que falta para completar o puzzle. Que às vezes poderiam colocar-se na minha posição e tentar perceber o quão difícil é.
Obrigada de coração a quem me continua a ler, a quem gosta de mim e a quem me confia tantas partilhas.
São anos de luta, de sofrimento e de muita desilusão. Quando me perguntam se já desisti digo sempre que não, mesmo que no meu intimo esteja cada vez mais consciente que a probabilidade de isso acontecer é muito reduzida. Tenho um coração grande e essa certeza ninguém me a tira. Amo os meus sobrinhos, os de sangue e todos os que são filhos dos meus amigos. Poder acompanhar o seu crescimento faz-me feliz. Mas sempre que me venho embora, sempre que volto as costas, fecho os olhos e pergunto como seria ter uma criança minha? Como seria ouvi-la a chamar-me de Mãe?
Com amor,
Mia